Friday, March 20, 2009

Vidas Forçadas


Viver é conhecer....conhecer é estar...estar é viver!

Esta é uma frase que descreve a nossa protagonista quase na perfeição.

Shahin é uma mulher com 24 anos, de sorriso enigmático moldado pela multi-culturalidade, que vagueia pela cidade de Lisboa com a naturalidade de quem conhece e pertence àquele local e de quem faz de todo o mundo a sua casa. O brilho nos seus olhos é a certeza de quem está feliz por ali estar e o seu à vontade só parece estranho para quem não a conhece e não sabe nada do seu passado. Olha para as coisas com “olhos de ver”, com a curiosidade de quem tenta encontrar diferenças e semelhanças com aquilo que já conhece, com o que não conhece mas espera um dia vir a conhecer, e com aquilo que já viveu e com todos os lugares onde já esteve...
As suas recordações vão longe...tão longe quanto a própria geografia o possa permitir.
Na realidade, Portugal é um país que lhe agrada pelo seu tempo fantástico e pela cultura de partilha de experiências existente! Passear pela capital portuguesa e perceber que esta cidade é uma miscelânea de culturas pode parecer normal, mas para uma cidadã iraniana à partida pode causar estranheza....Porém Shahin, pelo que já viveu e pelo que já experimentou, tem no sangue uma mistura de culturas, um conjunto de sonhos que, de certa forma, a faz identificar-se com Lisboa.
Apesar de ser só mais um país no seu percurso de vida, Portugal acaba por marcar Shahin de uma forma que ela não esperava! É o país que complementa aquilo que ainda não viveu...Fazer Erasmus e estudar neste país é o concretizar de um sonho de estudar fora da Finlândia e faz com que ela evolua quer ao nível pessoal, quer ao nível profissional.
Agora Shahin sente-se mais preparada para, também ela, poder mudar o mundo com o seu curso em Jornalismo e mais completa no seu interior enquanto pessoa. Já viveu o calor humano deste país que, por tradição, recebe bem todos os que por cá passam e quer voltar à Finlândia e mostrar que a frieza finlandesa pode e deve “aquecer”! E numa simples conversa de café a sua vida ganhou voz e as experiências ficaram à flor da pele:


Pegar nas malas e partir...

Foi a isto que foi obrigada a minha família [a família Doagu] quando em 1987 tivemos de abandonar o Irão. O Objectivo? Simplesmente o de procurar uma vida melhor, como qualquer outro Curdo! Para trás fica todo um passado, toda uma história, toda uma vida. Nunca é fácil abandonar a terra que nos viu nascer e eu, a filha pequenita, nem me estava aperceber do que se estava a passar...
Afinal, o facto de se ser Curdo
[1] e pertencer a uma minoria não aceite e respeitada levou a que os meus direitos humanos fundamentais e especialmente os dos meus pais, não fossem tidos em conta... Chegámos mesmo ao extremo de não podermos sequer falar publicamente na nossa língua materna.
Não é fácil viver num país onde está instaurada uma “guerra santa”... Onde, apesar de nós, os curdos, termos a hipótese de expressar a nossa identidade cultural livremente, os direitos de governo e auto-administração são-nos completamente negados.
Além do mais, tinhamos a vontade e o desejo (quase impossível) do reconhecimento do nosso Curdistão enquanto país independente.


A Constituição do Irão é baseada na lei islâmica, pelo que tem efeitos na vida comum de qualquer cidadão que habite no Irão e o dia-a-dia da família Doagu era regido por essas leis. Assim, tinham que seguir o exemplo da maioria das pessoas e rezar cinco vezes por dia. Há também alguns períodos do ano em que quase todos dedicam à religião, sendo disso exemplo o Ramadão e Dia de Noruz[2] .
Para Shahin, a grande diferença entre o Irão e os países europeus reside no aspecto físico, desde a postura até ao vestuário. As mulheres têm de usar burka a cobrir a sua cabeça e têm de esconder o seu corpo quase na totalidade. Também por uma questão cultural as raparigas não devem passear sozinhas na rua. Outro exemplo que Shahin destacou pela negativa é o processo de reserva num hotel, em que os homens e mulheres não podem fazê-lo juntos se não forem parentes ou já um casal efectivamente casado. Dessa forma, segundo a opinião de Shahin, o Estado do Irão acaba por controlar tudo o que for pré-nupcial. A dicotomia entre o coração e a razão são uma constante para esta jovem.

Sejam quais forem os motivos, o nosso cordão umbilical está sempre preso à terra que nos viu nascer e quando nos obrigam a cortar esse cordão umbilical sangramos. Sangramos com uma dor que pode não ser vísivel, mas que deixa marcas internas profundas e irreversíveis. E eu, ainda não tendo noção do que se passava, ficava já com essas marcas.

O próximo destino foi a Turquia: não por muito tempo, nem deixando boas recordações. Seguiram o rumo da maioria do povo curdo... pois sensivelmente metade do povo curdo mora na Turquia, representando cerca de 20% do total da população que habita neste país. Quando Shahin compara a Turquia com a Europa verifica que é um país em tudo semelhante aos restantes europeus, sendo que as maiores diferenças dizem respeito à religião. Na Turquia a maioria da população é muçulmana e certos actos de afecto em público não são aceites como na Europa. A liberdade europeia que tanto gosta e admira, na Turquia é uma impossibilidade.

Os conflitos entre os turcos e os curdos existe desde sempre. Os Curdos lutaram incessantemente pelo fim do domínio sobre a sua região, primeiro com o Império Otomano e depois com os Turcos. Mesmo apesar de o Tratado de Sévres em 1920 lhes ter concedido autonomia, nunca tiveram a sua região livre - toda e qualquer revolta Curda foi sempre suprimida pelo uso da força. Assim, após todos estes confrontos históricos, a existência de grupos étnicos, como os Curdos, na Turquia foi oficialmente negada e qualquer expressão de identidade étnica feita por este povo era duramente reprimida. Como prova disso, até 1991 o uso da língua curda - ainda que frequente - era ilegal.
Após reformas influenciadas pela União Europeia as transmissões de televisão e rádio em curdo foram permitidas embora com severas restrições de tempo e a educação em curdo agora é permitida embora apenas em instituições privadas.
Para Shahin, o maior exemplo da falta de respeito dos Turcos para com os Curdos foi o caso de Leyla Zana, em 1994! Leyla Zana, a primeira representante mulher curda no Parlamento da Turquia, foi acusada de fazer discursos separatistas aquando da tomada de posse como membro do parlamento. A Amnistia Internacional relatou que ela fez o juramento de lealdade em turco, como é exigido pela lei, e acrescentou então em curdo:
'Eu lutarei para que os povos turco e curdo vivam juntos em um sistema democrático'.
O Parlamento irrompeu com gritos:'Separatista!', 'Terrorista!', e 'Prendam-na!'. Foi então sentenciada a 15 anos de prisão.

Os conflitos entre os Curdos e os Turcos nunca foram ultrapassados e Shahin não acredita que existam grandes hipóteses de o relacionamento ser minimamente saudável. Há quem diga, e ela própria pensa que a entrada da Turquia na União Europeia foi impedida devido a estes confrontos e problemas do passado que vão persistindo no presente.
Foi então o momento de mudar novamente de país e, de espírito aberto a novas culturas, procurarem a liberdade.

Quando cheguei à Finlândia tinha cinco anos. As minhas memórias deste país são quase só positivas. Lembro-me que o meu irmão com apenas um aninho entrou de imediato no Jardim Infantil e logo toda a minha família começou a aprender o Finlandês. Tivemos um casal vizinho que foi muito simpático e nos ajudou muito no início, porque os meus pais não falavam finlandês.
A Finlândia é um belíssimo país para se viver. Se nós vivermos e entendermos a cultura finlandesa podemos quase compará-la à portuguesa: uma cultura de LIBERDADE! Claro que o povo finlandês não é tão quente como o português ou iraniano, e a noção de “colectividade” não é bem aceite. Acho, e é só minha opinião, que os Finlandeses são muito ambiciosos e a concorrência exacerbada existe, por exemplo, na educação e no mercado de trabalho.


Shahin acredita que os primeiros meses foram especialmente difíceis para os seus pais. Era Inverno quando se mudaram para este país do gelo e na Turquia estava um sol radiante. Além de que eles não falavam nada de finlandês! Tudo o que era comum entre o Irão, a Turquia e o povo Curdo, era considerado estranho na Finlândia, sendo disso exemplo, além da religião, coisas relativamente básicas como os próprios géneros alimentícios.

Apesar de vivermos na Finlândia, os meus pais nunca deixaram que eu e o meu irmão perdessemos e nos afastássemos das raízes iranianas nem do modo de vida islâmico, vivemos assim num mundo paralelo...Em casa, respeitamos o modo de vida islâmico, na rua vivemos o estilo europeu. Não é fácil sendo jovens, ultrapassar estes modos tão diferentes de encarar e viver a vida. Duas línguas, duas culturas, duas verdades...multi- experiências!
Na realidade, e para ser muito sincera, eu e o meu irmão já pouco vivemos segundo a lei islâmica. O único sítio onde evitamos comportamentos não aceites por esta religião é dentro da nossa própria casa. Evitamos essencialmente beber alcóol e eu uso a burka, isto somente para agradar o meu pai, porque a minha mãe, tal como eu, acha que devemos ser nós próprios a escolher o modo como queremos viver e seguir a nossa vida.


Shahin e o seu irmão tiveram de se unir para conseguirem adaptar-se a esta realidade tão diferente daquilo a que estavam habituados.

Tal como o meu irmão, a minha mãe é também a minha melhor amiga. Já o meu pai, posso dizer que apesar de todas as discordâncias e discussões (quase todas elas relacionadas com o modo de viver curd), é sem dúvida a âncora da minha vida, é a ele que recorro quando nada bate certo, quando nada parece fazer sentido e quando me sinto sem qualquer rumo.
Para mim, ser muçulmano não é viver de acordo com a lei islâmica, mas sim viver com Alá no pensamento e tentando respeitar os outros. É a filosofia de não fazer aos outros aquilo que não gostaria que me fizessem a mim. Sei que a maioria dos muçulmanos acha que deve viver a vida regida por uma série de leis do Corão que são um pouco rígidas, mas eu acredito que tentar melhorar o mundo através de um simples sorriso e com respeito pelo próximo, é suficiente para me fazer sentir uma pessoa feliz, bem como deixar felizes todos os que me rodeiam.


Regressar ao Irão esteve sempre na mente e as memórias não estavam tão longínquas quanto Shahin pensava.

A primeira vez que regressei ao Irão foi estranha... A maioria das coisas era diferente do que eu conhecia na Finlândia, mas curiosamente e apesar de ter saído muito nova do Irão, houve parentes meus que reconheci! E só a caminho da minha terra natal é que tomei consciência de que ela me era completamente desconhecida…e que afinal eu não tinha partilhado a minha vida com as minhas raízes – a minha família. Para ser sincera, esta constatação deixou-me triste. Até a sensação de usar a burka pela primeira vez no meu país natal foi muito gratificante, parecia que não estava em mim.
Tive a possibilidade de estar em contacto com as minhas origens e tomei consciência da pobreza e analfabetismo da população. Isto marcou-me bastante e levou-me a reflectir acerca da decisão dos meus pais ao terem procurado uma vida melhor para nós. Sei que graças a eles posso viver a liberdade que, garantidamente, ficando no Irão ou num país árabe, nunca teria tido acesso.

Claro que por vezes me vem à mente voltar atrás e começar tudo de novo no Irão, procurar novamente as minhas raízes, voltar a viver a minha vida de acordo com certas regras. Estão lá todos os meus parentes e uma série de coisas importantes na minha vida. Mas para ser honesta, neste momento essa ideia não é nem de perto nem de longe, realista. Mesmo que legalmente não exista qualquer problema em viver no Irão, tudo seria muito diferente. Simplesmente ainda não estou pronta! Mas como nunca sabemos o que nos poderá acontecer no futuro, quem sabe se não regressarei e lá passarei o resto dos meus dias?

Constituir família e a profissão de jornalismo estão no seu horizonte independentemente da sua morada no mundo.

Só posso dizer que nasci Curda e morrerei Curda.... É isso que Alá quer de mim e sei que esse é o meu destino!

[1] Os curdos são um grupo étnico que se considera como sendo nativo de uma região frequentemente referida como Curdistão, que inclui partes adjacentes de Irão, Iraque, Síria e Turquia. De acordo com a Encyclopaedia Kurdistanica, os curdos são descendentes de todos aqueles que tenham historicamente se fixado no Curdistão, e não de um grupo em particular.
[2]equivalente ao Dia de ano novo e celebra-se a 21 de Março

Saturday, March 14, 2009

A verdadeira essência de ...."isto"!

Lançaram-me um desafio: falar de algo! Mas de forma inovadora e criativa, com uma abordagem inédita.
Após largos minutos a pensar, cheguei à conclusão de que “isto” é essencial para as nossas vidas...
Sem “isto” não havia espaço para o erro, espaço para o gozo, espaço para aprender, espaço para sonhar e espaço para inventar! E até espaço para sujar!
Com “isto” podemos eliminar o passado, alterar o presente e lançar o futuro, recomeçando o nosso caminho...
Para “isto” poder funcionar, é a nossa mão que o pode comandar...Aliás, neste caso a nossa mão é a força divina e que faz “isto” mover-se.
Sem “isto” o mundo nunca poderia pular e avançar.... “Isto” é o que permite avanços e recuos, o entendimento e a compreensão, a melhoria e o passo em frente na vida de todos nós. Mas também permite rupturas, quebras e “azelhices”.
Todos estivemos nalgum momento em frente a “isto” e trememos. Esperávamos nunca ter que utilizá-lo…mas agora que olhamos para trás apercebemo-nos da sua importância...
Do que falamos??? Nada mais nada menos do que um “simples” apagador, um objecto que permite apagar...
É curioso que a palavra em si já diz muito...Apaga (dores), mas apaga também erros e brincadeiras que não queríamos que adultos vissem e eventualmente nos castigassem.
E agora, pensando bem....Será que damos a devida importância a um “simples” objecto e que parecia que em nada poderia afectar a nossa vida, mas que no entanto tinha a capacidade de nos tornar heróis ou não? Aqueles que não tinham de o utilizar eram adorados pelos adultos, invejados por algumas crianças e odiados por outras. Tudo isto num apagador!
E mesmo o dito “básico” apagador sobreviveu ao tempo... deixou de estar associado ao perigoso e velhinho giz para estar ligado à actual caneta. E aparece no computador em forma de tecla (o delete)!
Objecto impregnado de sonhos, (des)ilusões, pedagogia e inovação!
Aceitei o desafio... ousei ir mais além....vi o resultado e sinceramente gostei pois apercebi-me da importância de um “isto” nas “cenas” da nossa vida!