O «Senhor do Adeus»
Cabelo branco, ondulado, gabardine, cachecol, roupa clássica, óculos pretos.... Esta é a imagem de marca de João Manuel Serra, o “Senhor do Adeus”.
Contando já com 78 anos, “Senhor” é coisa que detesta que lhe chamem, preferindo ser conhecido como “Ti João”.
Por Pedro Miguel Silva
Esta “missão” começou há sensivelmente nove anos, depois da morte da mãe, com quem vivia. Precisava de se distrair e incomodava-o a ideia de estar sozinho em casa. Um dia, aconteceu! Já reparara que as pessoas o cumprimentavam sem razão nos centros comerciais e, sem saber como nem porquê, surgiu o primeiro aceno na estrada. Depois veio outro e outro, e o caso virou fenómeno.
Quem o quiser ver a acenar e cumprimentar, basta deslocar-se aos seus locais de “trabalho”: o topo da Avenida da Torre de Belém ou o Largo do Saldanha.
Enquanto que no topo da Avenida da Torre de Belém o pode encontrar todos os dias de semana, de segunda a sexta, das 18h às 20h, e sem qualquer folga, já no Saldanha é mais complicado, uma vez que não tem hora certa de lá estar!
E entre muitas buzinadelas e acenos, aceitou contar-nos a sua história, apesar de confessar que não sabe bem como tudo começou: «Começou já há muitos anos, depois de a minha mãe ter falecido, passei a andar mais na rua sozinho. Começou em certos sítios: no Centro Comercial das Amoreiras e no Colombo».
«Rapaziada, pessoas simpáticas que não sei porquê, uma empatia talvez qualquer que haja que eu não sei explicar, não sei explicar mesmo...e que realmente começaram a acenar ou a dar as boas noites, boas tardes e isso tudo...e eu comecei a achar que realmente estava a tomar um certo incremento fora do vulgar. Quer dizer, também talvez tenha ficado um bocado promovido porque pouco depois de eu ter começado a fazer isto, uma equipa da televisão e o jornalista Luís Osório, muito conhecido e muito bom, que estava a fazer um programa na RTP2 [e] que era o Zapping. Faço isto não é para me exibir, para me promover... Faço isto porque gosto de estar na rua, é na rua que eu gosto de estar. Estar a acenar às pessoas e a ter esta comunicação.»
João nasceu no seio de uma família muito rica. Até aos dez anos, viveu num enorme palacete da Rua Tomás Ribeiro, cobiçado mesmo pelo próprio Gulbenkian: «Que saudades tenho desse tempo... A casa estava sempre cheia de família e amigos...».
Mimado desde bebé, fez a instrução primária toda em casa, com um professor particular, pois no primeiro dia de aulas no Colégio Parisiense chorou tanto que os pais não tiveram coragem de o mandar de volta.
«Fui criado numa redoma de vidro», confessa, explicando: «Naquela época era tudo muito diferente, havia muitos tabus.». Depois do divórcio dos seus progenitores, quando tinha 13 anos, João foi morar para o Restelo com o pai. Por ele, inscreveu-se em Direito, mas depressa desistiu por ser «muito chato».
Depois de uma igualmente curta passagem pelo curso de Histórico-Filosóficas, o pai, «que não sabia que fazer» com ele, mandou-o para Londres com o irmão: «Foram três anos fantásticos. Tinha um grupo de amigos fabuloso, com quem viajei imenso. Teria lá ficado, se não fosse tão agarrado à família...». Sem quase pôr os pés nas aulas, regressou a Portugal e, depois da morte do pai, pouco tempo depois, foi morar com a mãe, de quem não se separou até ao último dia da sua vida: «Viajámos muito os dois. Todos os anos íamos a Paris e Madrid. Conheço a Europa inteira, excepto a Grécia...».
Isto do dizer adeus é coisa séria para o “Ti João” e quer faça chuva, quer faça sol, ele lá está…: «Não gosto de faltar a este meu hábito que me faz tão bem, não é? Não é um emprego, é uma ocupação, porque...é muito bom para mim porque, já vê...também não é tudo rosas e também tenho os contras, que é, por exemplo, a minha idade já...aguentar o Inverno, não é? O frio, porque tenho de me agasalhar muito... Se está a chover é uma chatice! Eu prefiro o frio à chuva, porque agasalho-me muito para o frio e não, e pronto… Agora chuva é muito chato, estar com o chapelinho de chuva...é claro, se for aquela chuva torrencial também tenho que me abrigar e isso tudo. Mas, de contrário, já estou habituado, sabe, já estou habituado a isso tudo. De maneira que já…já aguento um bocado, realmente, o Inverno…Tenho aguentado este Inverno, que foi tão frio, tão rigoroso, não é…».
E nem quem o considera maluco o afecta... : «Às vezes há uma ou outra pessoa ordinária que pode dizer: “maluco”, ou isto, ou aquilo… Como sou compensado pela grande maioria das pessoas que me saúdam de uma maneira muito bonita, estou me nas tintas para esses tipos, completamente! Uma pessoa de 78 anos, que está metida em casa só a ver televisão e de pantufas…é muito chato, não é?… Portanto, assim, eu mexo-me, faço exercício, tomo ar, comunico…para mim é um remédio, pronto, não podia ser melhor.»
É o remédio que lhe permite disfarçar a solidão que o consome e o faz olhar para o passado com arrependimento, por não ter ousado viver a sua vida em vez da dos outros.
No baú dos sonhos perdidos, jaz o curso que não tirou, o trabalho que nunca fez, os filhos que não teve e, pior, o grande amor que nunca conheceu:
«Sinto-me só. Incompleto. Como se algo estivesse a falhar.»